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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O lado feminino do 25 de Abril

Por Jornal Porto Net (JPN)

Antes da Revolução a mulher tinha um papel secundário na sociedade. Só com o 25 de Abril é que conquistaria alguns dos direitos essenciais

Na história do nosso país, as mulheres ocuparam quase sempre um papel secundário, sendo apresentadas, na maioria das vezes, como figurantes nos grandes episódios da construção da nação.
Já em 1872, um dos mais influentes intelectuais da chamada “Geração de 70”, Ramalho Ortigão, escrevia assim sobre aquela que era a representação popular da mulher na altura: “Ela é na casa um ente subalterno e passivo, que se manda, que se força, que se espanca se desobedece (…). Ninguém a instrue, ninguém a distrae, ninguém procura tornar-lhe a existência doce e risonha, dar-lhe o nobre orgulho de ser amada, querida, necessária no mundo para mais alguma coisa do que lavar a casa, coser a roupa e cosinhar a comida”.
Esta concepção do século feminino vai vigorar durante muitos anos no nosso país, e tornar-se-á particularmente evidente durante o Estado Novo, um regime político de cariz conservador e tradicionalista, instaurado em Portugal em 1933. Durante quase meio século, ao sexo feminino eram associados os papéis de dona-de-casa, mãe e companheira, e pouco mais.
Neste panorama tão restritivo das liberdades da mulher, poucas foram aquelas que se atreveram a enfrentar o regime. Mas o JPN falou com duas resistentes que colocaram a luta pelos direitos do género feminino à frente de qualquer receio de sanções, e que ainda hoje continuam a lutar pela igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Ilda Figueiredo, deputada comunista no Parlamento Europeu, também tem sido uma defensora activa dos direitos das mulheres. Em entrevista ao JPN, contou-nos a sua experiência pessoal antes do 25 de Abril.
Esta situação difícil em que a mulher se encontrava duraria até ao dia 25 de Abril de 1974, altura em que a democracia chegou a Portugal. Mas se hoje a mulher já tem um papel mais activo na sociedade, parece que ainda nem tudo foi conseguido...

A Mulher depois de Abril

Por Jornal Porto Net (JPN)

Se o 25 de Abril trouxe grandes conquistas para as mulheres, há ainda alguns passos a dar no caminho para a igualdade

Já não existe desigualdade entre homens e mulheres? Não existem ainda representações tradicionais sobre o papel da mulher? Para a socióloga Isabel Dias, “estas questões não se dissiparam ainda completamente. Ainda vivemos um processo de mudança ao nível das mentalidades e na forma como a própria sociedade representa a mulher na família, na sociedade, na política ou noutro domínio qualquer”.
Esta professora de Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) diz que, “de facto, têm-se vindo a conquistar cada vez mais domínios de intervenção em que as mulheres têm uma presença activa e importante. Mas essa maior intervenção das mulheres na vida social, política e económica não significa que não subsistam representações tradicionais sobre o seu papel”. E adianta que aquilo a que se assiste hoje em dia é a uma “coexistência de representações modernistas sobre a mulher, com representações tradicionalistas”. Mas, “a mudança parece inevitável, pela presença e pela força com que elas estão instaladas no mercado de emprego e pelas consequências a nível familiar, económico e político que isso também tem para a própria sociedade”.
Actualmente, as mulheres constituem uma parte importante da mão-de-obra no mercado de trabalho e, inversamente ao que acontecia no passado, poucas são agora as que ficam em casa. No ano 2000, as mulheres já representavam 45,6% da população activa, o que, segundo Ana Mesquita, da União dos Sindicatos do Porto, é positivo para o género feminino: “As mulheres já representam quase 50% da força de trabalho nacional, têm uma participação activa, trabalham, e isso dá-lhes alguma independência e a capacidade de lutar contra as injustiças. E isso é uma grande vantagem. As mulheres queriam trabalhar e estão a trabalhar”.
A permanência dos estereótipos
No entanto, há sectores de actividade em que os estereótipos permanecem. Maria José Magalhães aponta o exemplo da política, em que as desigualdades são ainda bastante notórias: “As mulheres são uma minoria absolutamente ridícula em termos de ministros, cargos de ministério, secretarias de Estado. No Parlamento somos uma percentagem ridícula ainda. É muito difícil que uma mulher chegue a primeira candidata”.
Numa retrospectiva global da presença das mulheres no poder executivo e legislativo em Portugal desde Abril de 1974, verifica-se até que ponto têm estado quase sempre afastadas dos cargos mais elevados da hierarquia política: o Presidente da República foi sempre homem, o cargo de primeiro-ministro foi ocupado por 10 homens e apenas uma vez, em 1979, por uma mulher, Maria de Lurdes Pintassilgo (num Governo de iniciativa presidencial, durante um tempo determinado).
Maria José Magalhães aponta vários motivos que explicam esta sub-representação da mulher: “O problema não está só nos partidos. Estou a falar também nas representações sociais, na nossa ideologia. Somos muito mais vigilantes e intolerantes com as mulheres. Quando uma mulher vai para o poder, se é magra é porque é magra, se é gorda é porque é gorda, se é de direita é porque é de direita, se é de esquerda é porque é de esquerda, enfim, tem sempre defeitos. Há sempre muita coisa a apontar-lhe e raramente se valoriza o que elas são capazes de fazer. Espera-se que sejam perfeitas, como se fosse possível que os seres humanos pudessem ser perfeitos”.

O retrato da mulher durante o Estado Novo

Por: Jornal Porto Net (JPN)


Mãe, esposa e dona-de-casa. Eis o retrato da mulher nos anos que antecederam a revolução de Abril

Em Portugal, o Estado Novo esforçou-se por conservar a mulher no seu posto tradicional, como mãe, dona-de-casa e em quase tudo submissa ao marido. A Constituição de 1933 estabeleceu o princípio da Igualdade entre cidadãos perante a Lei, mas com algumas excepções. No documento constavam referências às "diferenças resultantes da sua [mulher] natureza e do bem da família". A mulher via-se, assim, relegada para um plano secundário na família e na sociedade em geral.
Luísa Neto é docente na Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Esta doutorada em Direitos Fundamentais explica qual a situação da mulher perante a Lei, durante a ditadura: "A constituição de 1933, que era a constituição que vigorava antes da Revolução de 25 de Abril de 1974, não estabelecia efectivamente o princípio da igualdade, pelo menos material. Formalmente estabelecia o princípio da igualdade, mas na prática ele não tinha grande vigência".
"A mulher praticamente não tinha direitos. Se se tratasse de uma mulher casada, os direitos eram exercidos pelo chefe de família. Aliás, a expressão do pai de família, que normalmente era benfiquista, deriva daí e do entendimento que era voz comum nessa altura", realça.
A lei portuguesa designava o marido como chefe de família, donde resultava uma série de incapacidades para a mulher casada, contrariamente à mulher solteira, que era considerada cidadã de plenos direitos: "a mulher não tinha direito de voto, a mulher não tinha possibilidade de exercer nenhum cargo político, e, mesmo em termos da família, a mulher não tinha os mesmos direitos na educação dos filhos", diz a magistrada.
Nesta altura, a Lei atribuía à mulher casada uma função específica: o governo doméstico, o que se traduzia pela imposição dos trabalhos domésticos como obrigação. E os poderes especiais do pai e da mãe em relação ao filho resultavam na sobrevalorização do pai e subalternidade da mãe, que, como recomendava a lei, apenas devia ser «ouvida».
Outro dos problemas que a mulher enfrentava na altura acontecia nas situações de reconstituição da família. O divórcio era proibido, devido ao acordo estabelecido com a Igreja Católica na Concordata de 1944, pelo que todas as crianças nascidas de uma nova relação, posterior ao primeiro casamento, eram consideradas ilegítimas. E havia duas alternativas no acto do registo: a mulher ou dava à criança o nome do marido anterior ou assumia o estatuto de "mãe incógnita". O que não podia era dar o seu nome e o do marido actual.
Trabalho só para homens
Também em relação ao trabalho, a mulher deparava frequentemente com grandes limitações. E o acesso a determinadas profissões era-lhe completamente vedado, como nos diz Luísa Neto: "no que diz respeito à questão profissional, a mulher não tinha direito de acesso a determinados lugares que se considerava que deviam ser ocupados por homens". A magistratura, a diplomacia e a política são apenas alguns dos exemplos de sectores profissionais a que a mulher não podia aceder.Maria José Magalhães é hoje assistente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde concluiu o seu mestrado em Ciências da Educação. Realiza investigação sobre a questão do género e participa em alguns grupos e publicações feministas. Sobre o tema, escreveu o livro "Movimento Feminista e Educação - Portugal, décadas de 70 e 80". E descreve assim a situação da mulher naquela altura: "Antes do 25 de Abril, muitas mulheres não podiam casar com quem queriam, as mulheres casadas não podiam mexer na sua propriedade, as enfermeiras não podiam casar, as professoras não podiam casar com qualquer pessoa: tinham que pedir autorização para casar, e saía em Diário da República a autorização para ela casar com o senhor fulano de tal".
Além disso, naquela altura estava escrito em decreto-lei que uma professora só podia casar com um homem que tivesse um vencimento superior ao dela. "Uma mulher casada não podia ir para o estrangeiro sem autorização do marido, não podia trabalhar sem autorização do marido. O marido podia chegar a uma empresa ou estabelecimento público e dizer: eu não autorizo a minha esposa a trabalhar. E ela tinha que vir embora, tinha que ser despedida", contou ao JPN Maria José Magalhães.

O dia em que tudo mudou

Por: Jonalismo Porto Net (JPN)

O dia em que tudo mudou

Com a revolução de Abril, a igualdade de direitos entre homens e mulheres é finalmente consagrada na Constituição

“Foi espantoso o irromper das capacidades das mulheres. Foi tipo «garrafa de champanhe». Começámos a ver as mulheres nas comissões de moradores, a intervir nas ruas, nas fábricas, de uma maneira quase espontânea, porque realmente estava tudo guardado dentro das pessoas”, conta Maria José Ribeiro. Mas o que é que o 25 de Abril trouxe às mulheres? Esta defensora da igualdade responde: “O 25 de Abril trouxe a liberdade, mas às mulheres trouxe algo mais: trouxe os direitos que antes nos eram vedados”.
Com a revolução dos cravos é adoptada uma nova Constituição, que entraria em vigor no dia 2 de Abril de 1976, e que consagrou, no artigo 13º, o princípio da Igualdade: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a Lei” e “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”.
Ana Maria Mesquita, da União dos Sindicatos do Porto e do Movimento Democrático das Mulheres, considera que esta foi uma mudança fundamental na situação das mulheres portuguesas. “Costumo dizer que as mulheres portuguesas foram quem mais lucrou com o 25 de Abril porque, principalmente as mais velhas, viviam numa situação completamente sem direitos. Eram um ser humano de segunda categoria e o 25 de Abril coloca-as ao nível dos outros. O 25 de Abril foi absolutamente fundamental, porque as mulheres passaram a ser muito mais respeitadas”.
Com o princípio da Igualdade consagrado na Lei, as mulheres portuguesas vêm, então, alguns dos direitos que antes lhes eram vedados, serem finalmente reconhecidos. E algumas das portas que antes estavam trancadas a sete chaves, são finalmente abertas ao sexo feminino. Isabel Dias, socióloga, dá-nos alguns exemplos: “Após o 25 de Abril, é evidente que há enumeras mudanças. As mulheres estão em força no mercado de emprego. Basta ver que temos mais de 50% de mão-de-obra feminina no mercado de emprego. Assistimos à feminização do Ensino Superior. As mulheres, cada vez mais, têm acesso a cargos de chefia e de gestão e, portanto, isto parece uma tendência irreversível.”
Os números relativos ao Ensino Superior são os mais reveladores destas mudanças: embora a taxa de analfabetismo feminina seja, ainda, praticamente dupla da dos homens (26,9% face a 14,4%), a verdade é que o número de raparigas que frequentam hoje as Universidades portuguesas é já superior ao dos rapazes. Para além disso, as taxas de progressão ou conclusão, nos anos terminais dos ciclos são sempre superiores no caso das raparigas, superioridade que se verifica também ao nível do aproveitamento escolar, onde o género feminino sai mais uma vez a ganhar.